Madrugada de muito calor. Perto do fim de 2005. E eu a brigar pelo sono. Cansada de tentar inutilmente, liguei a TV e assisti no Programa do Jô, a entrevista do cineasta Miguel Faria Jr. falando sobre o seu filme “Vinícius”.
A entrevista corria de forma agradável quando ele disse algo que mexeu comigo e eclodiu uma série de pensamentos, idéias que têm me angustiado. Foi no exato momento em que ambos falavam sobre a maneira de ser do falecido poeta. O cineasta disse que Vinícius de Moraes era um ser humano tão generoso que não suportaria viver nos dias atuais, onde o pragmatismo, o toma-lá-dá-cá, enfim, os jogos de interesses dominam as relações pessoais e não há mais lugar para alguém tão desprendido em seus sentimentos!
Por que tantos se preocupam com essa mudança no comportamento das pessoas, especialmente do brasileiro, antes tão cordial, muito se escreve e se fala, sejam as pessoas públicas ou não e cada vez mais se está solitário seja a dois, a três, ou na multidão?
Até mesmo dentro dos grupos dos quais fazemos parte, dificilmente abrimos a nossa guarda de forma completa. Gente, mesmo na relação a dois há tanto escamoteamento! Quantas e quantas vezes para não deixarmos de ser dois anulamos o nosso um?
Ser generoso virou sinônimo de idiota, literalmente. Estabelecem-se padrões de comportamento importados de outras culturas socialmente distantes da nossa, com formações tão díspares e aqueles que possuem poder e controle as introduzem de forma direta ou subliminar.
Tenho lido algumas reportagens na mídia impressa e em sites de recrutamento de pessoal, que me deixam chocada com as declarações de alguns dos “eleitos”, selecionados entre milhares de jovens. Gabam-se especialmente da “esperteza”, da “habilidade” de se dominar as emoções, de se obter as informações desejadas e adequadas, seja por via de pesquisa pessoal ou de meios pessoais de conhecimento. Assim, imagino que alguém, mesmo com um currículo escolar brilhante, mas sem as artimanhas e “manhas”, não se sairá bem ou talvez possa passar batido no meio da massa.
E a discussão perpassa por muitas vertentes de relacionamento pessoal. Na escola, na faculdade, no local de trabalho, nos meios de lazer coletivo ou grupal, há tantos que se despem de si e “vestem” as roupagens adequadas à ocasião ou local.
Esse receio de apresentar-se com a própria pele sem qualquer vestimenta social atinge a quase todos, raras são as pessoas que se apresentam "ao natural" e quando isso ocorre, gera logo a desconfiança ou então a interpretação de que algo está fora da "ordem mental".
Por que dói tanto assim sermos nós mesmos?
Diana Esnero
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